quinta-feira, 1 de julho de 2010

Estado e impostos



"When I converse with the freest of my neighbours, I perceive that, whatever they may say about the magnitude and seriousness of the question, and their regard for the public tranquility, the long and the short of the matter is, that they cannot spare the protection of the existing government, and they dread the consequences of disobedience to it to their property and families. For my own part, I should not like to think that I ever rely on protection of the State. But, if I deny the authority of the State when it presents its tax-bill, it will soon take and waste all my property, and so harass me and my children without end. This is hard. This make it impossible for a man to live honestly and at the same time comfortably in outward respects. It will not be worth the while to accumulate property; that would be sure to go again. […] It costs me less in every sense to incur the penalty of disobedience to the State, than it would to obey. I should feel as if I were worth less in that case. […]


Thus the State never intentionally confronts a man`s sense, intellectual or moral, but only his body, his senses. It is not armed with superior wit or honesty, but with a superior physical strengh. I was not born to be forced. I will breathe after my own fashion. Let us see who is the strongest. What force has a multitude? They only can force me who obey a higher law than I. They force me to become like themselves. I do not hear of men being forced to live this way or that by masses of men. What sort of life were that to life? When I meet a government which says to me, “Your money or your life” why should I be in haste to give it my money? It may be in great strait, and not know what to do: It is not worth the while to snivel about it. I am not responsible for the successful working of the machinery of society. I am not the son of the engineer. I perceive that, when an ancorn and a chestnut fall side by side, the one does not remain inert to make way for the other, but both obey their own laws, and spring and grow and flourish as best they can, till one, perchance, overshadows and destroys the other. If a plant cannot live according to its nature, it dies; and so a man.[…]


No man with genius for legislation has appeared in América. They are rare in the history of the world. There are orators, politicians, and eloquent men, by the thousand; but the speaker has not yet opened his mouth to speak, who is capable of settling the much-vexed questions of the day. We love eloquence for its own sake, and not for any truth which it may utter, or any heroism it may inspire. Our legislators have not yet learned the comparative value of free-trade and of freedom, of union, and of rectitude, to a nation. They have no genius or talent for comparatively humble questions of taxation and finance, commerce and manufactures and agriculture. […]


The authority of government, even such as I am willing to submit to, - for I will cheerfully obey those who know and can do better than I and in many things even those who neither know nor can do so well, - is still an impure one: to be stricly just, it must have the sanction and consent of the governed. It can have no pure right over my person and property but what I conced to it. The progress from an absolute to a limited monarchy, from a limited monarchy to a democracy, is a progress toward a true respect for the individual. Is a democracy, such as we know it, the last improvement possible in government? It is not possible to take a step further towards recognizing and organizing the rights of man? There will never be a really free and enlightened State, until the State comes to recognize the individual as a higher and independent power, from which all its own power and authority are derived, and treats him accordingly. I please myself with imagining a State at last which can afford to be just to all men, and to treat the individual with respect as a neighbour; which even would not think it inconsistent with its own repose, if a few were to live aloof from it, not meddlong with it, nor embraced by it, who fulfilled all the duties of neighbours and fellow-men. A State which bore this kind of fruit, and suffered it to drop off as fast as it ripened, would prepare the way for a still more perfect and glorious State, which also I have imagined, but not yet anywhere seen."


Henry David Thoreau, “Civil Disobedience” (1849)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Do polvo e da tinta



I – O que o polvo pensa

"As sociedades secretas formam também hierarquias de acordo com o grau de “iniciação”, regulam a vida dos seus membros segundo um pressuposto secreto e fictício que faz com que cada coisa pareça ser outra diferente; adoptam uma estratégia de mentiras coerentes para iludir as massas de fora, não iniciadas; exigem obediência irrestrita dos seus membros, que são mantidos coesos pela fidelidade a um líder frequentemente desconhecido e sempre misterioso, rodeado, ou supostamente rodeado por semi-iniciados que constituem uma espécie de “amortecedor” contra o mundo profano e hostil. Os movimentos totalitários têm ainda em comum com as sociedades secretas a divisão dicótoma do mundo entre “irmãos jurados de sangue” e uma massa indistinta e inarticulada de inimigos jurados. Esta distinção, baseada na absoluta hostilidade contra o mundo que os rodeia, é muito diferente da tendência dos partidos comuns de dividir o povo entre os que pertencem ou não à organização. Os partidos e as sociedades abertas, geralmente, só consideram como inimigos aqueles que se lhes opõem expressamente, ao passo que o princípio das sociedades secretas sempre foi que “aquele que não estiver expressamente incluído está excluído”.


II – O que o polvo diz

Nisto, como em tantos outros aspectos, o nazismo e o bolchevismo chegaram ao mesmo resultado organizacional a partir de origens históricas muito diferentes. Os nazis começaram com a ficção de uma conspiração e imitaram, mais ou menos conscientemente, o modelo de sociedade secreta dos Sábios de Sião, ao passo que os bolchevistas vieram de um partido revolucionário, cujo objectivo era a ditadura de um só partido, atravessaram a fase em que o partido ficou “inteiramente acima e separado de tudo” até ao instante em que o Politburo do partido ficou “inteiramente acima e separado de tudo”; finalmente Estaline impôs a essa estrutura partidária as rígidas normas totalitárias do seu sector conspiratório e apenas então descobriu a necessidade de uma ficção central para manter na organização de massa a férrea disciplina de uma sociedade secreta. A evolução nazi pode ser mais lógica, mais coerente consigo mesma, mas a história do partido bolchevique é um exemplo melhor da natureza essencialmente fictícia do totalitarismo, precisamente porque as fictícias conspirações globais contra as quais e de acordo com as quais a conspiração bolchevique supostamente se organizou não foram ideologicamente fixadas. Mudaram – dos trotskistas para as 300 famílias, depois para os vários “imperialismos” e, mais recentemente, para o “cosmopolitismo sem raízes”, o “sionismo” e “neocolonialismo” – e foram ajustadas à realidade política segundo as necessidades do momento; mas nunca e em nenhuma das mais diversas circunstâncias pôde o bolchevismo passar sem algum tipo de ficção"


III – O que o polvo faz


As sociedades secretas em geral e o aparelho conspirativo dos partidos revolucionário em particular sempre foram caracterizados pela ausência de facções, pela supressão de opiniões dissidentes e pela absoluta centralização do comando. Todas estas medidas têm a óbvia finalidade utilitária de proteger os membros contra a perseguição e a sociedade contra a traição; a obediência total exigida de cada membro e o poder absoluto nas mãos do chefe foram apenas subprodutos inevitáveis de necessidades práticas. O problema, porém, é que os conspiradores têm uma tendência, compreensível aliás, de julgar como mais eficazes na política os métodos das sociedades conspirativas e de supor que, se esses métodos puderem ser aplicados abertamente com o apoio dos instrumentos de violência de toda uma nação, as possibilidades de acumulação tornam-se infinitas. (Souvarine menciona que Estaline se impressionava sempre com aqueles que eram bem sucedidos “nos negócios”. Via a política como um negócio que exigia destreza)


IV – Do uso da tinta do polvo

Mas o principal valor da estrutura organizacional e dos padrões morais das organizações secretas ou conspiratórias para fins de organização das massas não está na garantia intrínseca de participação incondicional e lealdade incondicional nem na manifestação organizacional de hostilidade cega contra o mundo exterior, mas na sua incomparável capacidade de estabelecer e proteger o mundo fictício por meio de constantes mentiras. Certa mistura de credulidade e cinismo havia sido importante característica da mentalidade da ralé antes que se tornasse fenómeno diário das massas. Num mundo incompreensível e em perpétua mudança, as massas tinham chegado a um ponto em que, ao mesmo tempo, acreditavam em tudo e em nada, julgavam que tudo era possível e nada era verdadeiro.
A propaganda de massas descobriu que o seu público estava sempre disposto a acreditar no pior, por mais absurdo que fosse, sem objectar contra o facto de estar a ser enganado, uma vez que achava que qualquer afirmação, afinal de contas, não passava de mentira.
Os chefes totalitários basearam a sua propaganda no pressuposto psicológico correcto de que, em tais condições, era possível fazer com que as pessoas acreditassem nas mais fantásticas afirmações em determinado dia, na certeza de que, se recebessem no dia seguinte a prova irrefutável da sua falsidade, apelariam para o cinismo; em lugar de abandonarem o chefe que lhes havia mentido, diriam que sempre souberam que a afirmação era falsa e admirariam-no pela grande esperteza táctica. Esta reacção das audiências de massas tornou-se importante principio hierárquico para as organizações de massas.
Uma mistura de credulidade e cinismo prevalece em todos os escalões dos movimentos totalitários e quanto mais alto o posto mais o cinismo prevalece sobre a credulidade. A convicção essencial compartilhada por todos os escalões, desde os simpatizantes até ao líder, é de que a política é um jogo de mentiras, e que o “primeiro mandamento” do movimento – o “Füehrer tem sempre razão” – é tão necessário aos fins da política mundial – isto é, da fraude mundial – como as regras da disciplina militar o são para as finalidades da guerrra."


O corpo do texto ( e não as suas divisões) de Hannah Arendt, "As origens do totalitarismo" (1951)