terça-feira, 18 de novembro de 2008

O amor é um pop-up

De repente, como se fosse subitamente atraído por um íman de enorme potência, o meu olhar dirigiu-se com lentidão e quase sem o sentir para o terraço da casa em frente, onde, mansamente reclinada no parapeito, me estava a observar aquela que a partir desse instante (se é que não foi outro e eu não me dei conta, pois com frequência me distraio e podem suceder-me as coisas mais importantes sem as ver a não ser no meio dos sonhos) se converteu na mulher da minha vida, ou seja, na encarnação dos meus sonhos: Felícia, Felícia Hernández, hoje, de Zamora; Felícia, figura inesquecível por quem abandonei tudo, posição, fortuna, ilusões. Pois bem. A mulher dos braços morenos era Felícia, e olhava-me fixamente, com espanto, como se também ela não acreditasse no que estava vendo e tudo lhe parecesse um sonho do qual infelizmente deveria despertar; fixou-me com o olhar próprio dos sonâmbulos durante um grande bocado, até que por fim, movida talvez pela emoção daquela experiência inefável, me dedicou de longe um sorriso muito doce, seguido de uma estrondosa gargalhada que deixou escapar antes de se retirar para os seus aposentos deixando-me demasiado perplexo.
Pouco depois, não sei se possuído por um prazer ou por uma dor muito grande, tão estranho era o estado em que me encontrava, dirigi-me pensativo para o meu quarto. Mas nesse dia não consegui ler mais, pois caí redondo no sono, como cai um corpo morto.

Nem nesse dia nem nos seguintes.
A minha mente era nesses dias como a de uma mosca que umas vezes se encontra inquieta no tecto esfregando as mãos, outras se move ansiosa em frente da janela sem se decidir a sair, outras colada á parede, imóvel, como morta e aparentemente alheia aos males deste mundo, e outras em qualquer parte, onde não é raro, se repararem bem, andarem as moscas, excepto quando estão tristes ou muito enamoradas e sem saber o que fazer, porque nessas circunstâncias não têm o menor ânimo para saírem à rua, nem para ficarem muito tempo na parede, e muito menos para se porem a ler ou ouvir música, pois esta ou aquela frase, tal ou tal canção, seja o que for, lembra-lhe à mosca que ontem não se viram e que hoje não se podem ver, e nesse momento não fica segura se essa mosca gosta dela ou está com outra no cinema ou nalguma festa de amigos comuns, feliz, sem pensar nela, e assim sendo qualquer coisa que leia ou ouça lembra-lhe a sua mosca ausente e quem sabe se para sempre perdida, e por isso não pode estar quieta no tecto, na janela ou na parede, com o pensamento fixo somente na sua mosca, que agora estará a passear de mão dada com outra, enquanto ela, deixada ao abandono total, não consegue permanecer tranquila um segundo nem no chão nem na parede nem na cama nem em qualquer lugar ou circunstância da vida, apesar de haver tantas moscas na vida.

Augusto Monterroso, “O resto é silêncio”

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

First strike at dawn


Cinco da manhã em Lisboa. YES WE CAN!