quinta-feira, 1 de julho de 2010

Estado e impostos



"When I converse with the freest of my neighbours, I perceive that, whatever they may say about the magnitude and seriousness of the question, and their regard for the public tranquility, the long and the short of the matter is, that they cannot spare the protection of the existing government, and they dread the consequences of disobedience to it to their property and families. For my own part, I should not like to think that I ever rely on protection of the State. But, if I deny the authority of the State when it presents its tax-bill, it will soon take and waste all my property, and so harass me and my children without end. This is hard. This make it impossible for a man to live honestly and at the same time comfortably in outward respects. It will not be worth the while to accumulate property; that would be sure to go again. […] It costs me less in every sense to incur the penalty of disobedience to the State, than it would to obey. I should feel as if I were worth less in that case. […]


Thus the State never intentionally confronts a man`s sense, intellectual or moral, but only his body, his senses. It is not armed with superior wit or honesty, but with a superior physical strengh. I was not born to be forced. I will breathe after my own fashion. Let us see who is the strongest. What force has a multitude? They only can force me who obey a higher law than I. They force me to become like themselves. I do not hear of men being forced to live this way or that by masses of men. What sort of life were that to life? When I meet a government which says to me, “Your money or your life” why should I be in haste to give it my money? It may be in great strait, and not know what to do: It is not worth the while to snivel about it. I am not responsible for the successful working of the machinery of society. I am not the son of the engineer. I perceive that, when an ancorn and a chestnut fall side by side, the one does not remain inert to make way for the other, but both obey their own laws, and spring and grow and flourish as best they can, till one, perchance, overshadows and destroys the other. If a plant cannot live according to its nature, it dies; and so a man.[…]


No man with genius for legislation has appeared in América. They are rare in the history of the world. There are orators, politicians, and eloquent men, by the thousand; but the speaker has not yet opened his mouth to speak, who is capable of settling the much-vexed questions of the day. We love eloquence for its own sake, and not for any truth which it may utter, or any heroism it may inspire. Our legislators have not yet learned the comparative value of free-trade and of freedom, of union, and of rectitude, to a nation. They have no genius or talent for comparatively humble questions of taxation and finance, commerce and manufactures and agriculture. […]


The authority of government, even such as I am willing to submit to, - for I will cheerfully obey those who know and can do better than I and in many things even those who neither know nor can do so well, - is still an impure one: to be stricly just, it must have the sanction and consent of the governed. It can have no pure right over my person and property but what I conced to it. The progress from an absolute to a limited monarchy, from a limited monarchy to a democracy, is a progress toward a true respect for the individual. Is a democracy, such as we know it, the last improvement possible in government? It is not possible to take a step further towards recognizing and organizing the rights of man? There will never be a really free and enlightened State, until the State comes to recognize the individual as a higher and independent power, from which all its own power and authority are derived, and treats him accordingly. I please myself with imagining a State at last which can afford to be just to all men, and to treat the individual with respect as a neighbour; which even would not think it inconsistent with its own repose, if a few were to live aloof from it, not meddlong with it, nor embraced by it, who fulfilled all the duties of neighbours and fellow-men. A State which bore this kind of fruit, and suffered it to drop off as fast as it ripened, would prepare the way for a still more perfect and glorious State, which also I have imagined, but not yet anywhere seen."


Henry David Thoreau, “Civil Disobedience” (1849)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Do polvo e da tinta



I – O que o polvo pensa

"As sociedades secretas formam também hierarquias de acordo com o grau de “iniciação”, regulam a vida dos seus membros segundo um pressuposto secreto e fictício que faz com que cada coisa pareça ser outra diferente; adoptam uma estratégia de mentiras coerentes para iludir as massas de fora, não iniciadas; exigem obediência irrestrita dos seus membros, que são mantidos coesos pela fidelidade a um líder frequentemente desconhecido e sempre misterioso, rodeado, ou supostamente rodeado por semi-iniciados que constituem uma espécie de “amortecedor” contra o mundo profano e hostil. Os movimentos totalitários têm ainda em comum com as sociedades secretas a divisão dicótoma do mundo entre “irmãos jurados de sangue” e uma massa indistinta e inarticulada de inimigos jurados. Esta distinção, baseada na absoluta hostilidade contra o mundo que os rodeia, é muito diferente da tendência dos partidos comuns de dividir o povo entre os que pertencem ou não à organização. Os partidos e as sociedades abertas, geralmente, só consideram como inimigos aqueles que se lhes opõem expressamente, ao passo que o princípio das sociedades secretas sempre foi que “aquele que não estiver expressamente incluído está excluído”.


II – O que o polvo diz

Nisto, como em tantos outros aspectos, o nazismo e o bolchevismo chegaram ao mesmo resultado organizacional a partir de origens históricas muito diferentes. Os nazis começaram com a ficção de uma conspiração e imitaram, mais ou menos conscientemente, o modelo de sociedade secreta dos Sábios de Sião, ao passo que os bolchevistas vieram de um partido revolucionário, cujo objectivo era a ditadura de um só partido, atravessaram a fase em que o partido ficou “inteiramente acima e separado de tudo” até ao instante em que o Politburo do partido ficou “inteiramente acima e separado de tudo”; finalmente Estaline impôs a essa estrutura partidária as rígidas normas totalitárias do seu sector conspiratório e apenas então descobriu a necessidade de uma ficção central para manter na organização de massa a férrea disciplina de uma sociedade secreta. A evolução nazi pode ser mais lógica, mais coerente consigo mesma, mas a história do partido bolchevique é um exemplo melhor da natureza essencialmente fictícia do totalitarismo, precisamente porque as fictícias conspirações globais contra as quais e de acordo com as quais a conspiração bolchevique supostamente se organizou não foram ideologicamente fixadas. Mudaram – dos trotskistas para as 300 famílias, depois para os vários “imperialismos” e, mais recentemente, para o “cosmopolitismo sem raízes”, o “sionismo” e “neocolonialismo” – e foram ajustadas à realidade política segundo as necessidades do momento; mas nunca e em nenhuma das mais diversas circunstâncias pôde o bolchevismo passar sem algum tipo de ficção"


III – O que o polvo faz


As sociedades secretas em geral e o aparelho conspirativo dos partidos revolucionário em particular sempre foram caracterizados pela ausência de facções, pela supressão de opiniões dissidentes e pela absoluta centralização do comando. Todas estas medidas têm a óbvia finalidade utilitária de proteger os membros contra a perseguição e a sociedade contra a traição; a obediência total exigida de cada membro e o poder absoluto nas mãos do chefe foram apenas subprodutos inevitáveis de necessidades práticas. O problema, porém, é que os conspiradores têm uma tendência, compreensível aliás, de julgar como mais eficazes na política os métodos das sociedades conspirativas e de supor que, se esses métodos puderem ser aplicados abertamente com o apoio dos instrumentos de violência de toda uma nação, as possibilidades de acumulação tornam-se infinitas. (Souvarine menciona que Estaline se impressionava sempre com aqueles que eram bem sucedidos “nos negócios”. Via a política como um negócio que exigia destreza)


IV – Do uso da tinta do polvo

Mas o principal valor da estrutura organizacional e dos padrões morais das organizações secretas ou conspiratórias para fins de organização das massas não está na garantia intrínseca de participação incondicional e lealdade incondicional nem na manifestação organizacional de hostilidade cega contra o mundo exterior, mas na sua incomparável capacidade de estabelecer e proteger o mundo fictício por meio de constantes mentiras. Certa mistura de credulidade e cinismo havia sido importante característica da mentalidade da ralé antes que se tornasse fenómeno diário das massas. Num mundo incompreensível e em perpétua mudança, as massas tinham chegado a um ponto em que, ao mesmo tempo, acreditavam em tudo e em nada, julgavam que tudo era possível e nada era verdadeiro.
A propaganda de massas descobriu que o seu público estava sempre disposto a acreditar no pior, por mais absurdo que fosse, sem objectar contra o facto de estar a ser enganado, uma vez que achava que qualquer afirmação, afinal de contas, não passava de mentira.
Os chefes totalitários basearam a sua propaganda no pressuposto psicológico correcto de que, em tais condições, era possível fazer com que as pessoas acreditassem nas mais fantásticas afirmações em determinado dia, na certeza de que, se recebessem no dia seguinte a prova irrefutável da sua falsidade, apelariam para o cinismo; em lugar de abandonarem o chefe que lhes havia mentido, diriam que sempre souberam que a afirmação era falsa e admirariam-no pela grande esperteza táctica. Esta reacção das audiências de massas tornou-se importante principio hierárquico para as organizações de massas.
Uma mistura de credulidade e cinismo prevalece em todos os escalões dos movimentos totalitários e quanto mais alto o posto mais o cinismo prevalece sobre a credulidade. A convicção essencial compartilhada por todos os escalões, desde os simpatizantes até ao líder, é de que a política é um jogo de mentiras, e que o “primeiro mandamento” do movimento – o “Füehrer tem sempre razão” – é tão necessário aos fins da política mundial – isto é, da fraude mundial – como as regras da disciplina militar o são para as finalidades da guerrra."


O corpo do texto ( e não as suas divisões) de Hannah Arendt, "As origens do totalitarismo" (1951)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

This is not the end



"Quando penso nas pequenas paixões dos homens dos nossos dias, na moleza dos costumes, na extensão das suas luzes, na pureza da sua religião, na suavidade da sua moral, nos hábitos de trabalho e no seu sentido de ordem, no comedimento que revelam tanto no vício como na virtude, não é em tiranos que vejo transformarem-se os seus dirigentes, mas antes em tutores.

Penso, portanto, que o género de opressão que ameaça os povos democráticos não se assemelhará a nada do que precedeu neste mundo; os nossos contemporâneos não conseguirão encontrar uma imagem que lhe corresponda nas suas recordações. Eu próprio procuro, em vão, uma expressão que reproduza exactamente a ideia que faço dela e a possa conter; as antigas palavras “despotismo” e “tirania” não servem, O fenómeno é novo; tentarei defini-lo, uma vez que não consigo atribuir-lhe um nome.

Ao procurar imaginar os novos contornos que poderia assumir o despotismo no mundo, vejo uma multidão imensa de homens semelhantes e de igual condição girando sem descanso à volta de si mesmos, em busca de prazeres insignificantes e vulgares com que preenchem as suas almas. Cada um deles, colocando-se à parte, é como um estranho face ao destino dos outros; para ele, a espécie humana resume-se aos seus filhos e amigos; quanto ao resto dos seus concidadãos, está ao lado deles, mas não os vê; toca-lhes, mas não os sente; ele só existe em e para si próprio e se ainda lhe resta uma família, podemos dizer pelo menos que deixou de ter uma pátria.

Acima desses homens, ergue-se um poder imenso e tutelar que se encarrega sozinho da organização dos seus prazeres e de velar pelo seu destino. É um poder absoluto, pormenorizado, ordenado, previdente e suave. Seria semelhante ao poder paternal se, como este, tivesse por objectivo preparar os homens para a idade viril; mas ele apenas procura, pelo contrário, mantê-los irrevogavelmente na infância. Agrada-lhe que os cidadãos se divirtam, conquanto pensem apenas nisso. Trabalha de boa vontade para lhes assegurar a felicidade, mas com a condição de ser o único obreiro e árbitro dessa felicidade. Garante-lhes a segurança, previne e satisfaz as suas necessidades, facilita-lhes os prazeres, conduz os seus principais assuntos, dirige a sua indústria, regulamenta as suas sucessões, divide as suas heranças. Ser-lhe-á também possível poupar inteiramente aos cidadãos o trabalho de pensar e a dificuldade de viver?

É desta forma que este poder torna cada dia mais raro e menos útil o uso do livre arbítrio, limitando o exercício da livre vontade a um âmbito cada vez mais reduzido e, pouco a pouco, acaba por privar o cidadão de dispor de si próprio. A igualdade preparou os homens para isto tudo, predispondo-os a aceitar este sofrimento e, até, a considerá-lo um benefício.

Depois de se ter tomado desta forma cada um dos indivíduos nas suas poderosas mãos, e de os ter modelado a seu jeito, o soberano estende os seus braços para abarcar a sociedade inteira, e cobre-a com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através da qual os espíritos mais originais e as almas mais fortes não conseguirão passar para se destacarem da multidão; ele não quebra as vontades, mas amolece-as, verga-as e dirige-as; raramente obriga a agir, mas opõe-se firmemente a que alguém o faça; nada destrói, mas impede que se crie; não tiraniza, mas incomoda, coage, debilita, extingue, embrutece e acaba por reduzir cada nação a um rebanho de animais tímidos e industriosos de que o governo é o pastor.

Sempre pensei que esta espécie de servidão, ordenada, calma, e amena de que acabo de fazer o retrato se poderia conjugar melhor do que se imagina com algumas das formas exteriores da liberdade e que não lhe seria impossível estabelecer-se à sombra da própria soberania do povo.

Os nossos contemporâneos são incessantemente trabalhados por duas paixões inimigas: por um lado, sentem a necessidade de ser conduzidos; por outro, querem permanecer livres. Como não lhes é possível abdicar de nenhum dos dois instintos contrários, esforçam-se por satisfazê-los a ambos. Concebem um poder único, tutelar e todo-poderoso, mas eleito pelos cidadãos. Combinam a centralização com a soberania do povo e isso concede-lhes algum repouso. Consolam-se com o facto de ficarem sob tutela, alimentando a ideia de que foram eles que escolheram os seus tutores. Cada indivíduo consente que o prendam, porque vê que não é um homem nem uma classe, mas o próprio povo, quem segura nas extremidades das suas correntes.

Neste sistema, os cidadãos abandonam por um momento a sua dependência para designarem o seu chefe e, depois, regressam a ela.

Nos nossos dias, há muita gente que se conforma muito facilmente com esta espécie de compromisso entre o despotismo administrativo e a soberania do povo e que crê garantir suficientemente a liberdade dos indivíduos quando é ao poder nacional que a entrega. Para mim, isso não basta. A natureza do senhor tem, a meu ver, menos importância do que a obediência.

Não nego, contudo, que esta forma de poder seja infinitamente preferível a uma outra que, após ter concentrado todos os poderes, os confiasse a um único homem ou a um corpo social irresponsável. Esta seria certamente a pior de todas as formas que poderia assumir o despotismo democrático.

Quando o soberano é eleito ou controlado de perto por uma legislatura realmente electiva e independente, a opressão que ele exerce sobre os cidadãos é por vezes maior, mas sempre menos degradante, porque cada cidadão, quando o molestam ou o reduzem à impotência, pode ainda pensar que, ao obedecer, se submete apenas a si próprio e que é a uma das suas vontades que sacrifica todas as outras.

Compreendo igualmente que quando o soberano representa a nação e dela depende, as forças e os direitos que se retira a cada cidadão não servem apenas o chefe de Estado, mas aproveitam ao próprio Estado, e que os particulares obtêm algum fruto do sacrifício que fizeram da sua independência em favor do conjunto da população.

Criar uma representação nacional num país muito centralizado é diminuir o mal que a extrema centralização pode provocar, mas não destruí-lo.

Compreendo que, desta maneira, se mantém a intervenção individual nos assuntos mais importantes, mas não se deixa de suprimi-la nos pequenos e nos particulares. Esquece-se que é sobretudo nos pormenores que é perigoso escravizar os homens. Quanto a mim, sentir-me-ia inclinado a acreditar que a liberdade é menos necessária nas grandes coisas do que nas pequenas, se pensasse que é possível ter a certeza de umas sem possuir as outras.

A sujeição nos pequenos assuntos manifesta-se todos os dias e todos os cidadãos a sentem indistintamente. Ela não os faz desesperar, mas contraria-os incessantemente e acaba por levá-los a abdicar da utilização da sua própria vontade. Ela apaga-lhes o espírito e debilita-lhes a alma, ao passo que a obediência, que só é exigida em certas circunstâncias muito graves mas muito raras, não revela a servidão senão de tempos a tempos e só faz pesar sobre alguns homens. Em vão se encarrega esses mesmos cidadãos, que tão dependentes se tornaram do poder central, de escolherem, de tempos a tempos, os seus representantes para esse mesmo poder; esta utilização do seu livre arbítrio, que é tão importante mas também tão curta e tão rara, não obstará a que eles percam, gradualmente, a sua faculdade de pensar, de sentir, e de agir por si próprios, nem a que desçam, pouco a pouco, para baixo do nível do que é humano.

Acrescento que eles ficarão rapidamente incapazes de exercer o único e grande privilégio que lhes sobra. Os povos democráticos que introduziram a liberdade na esfera política aumentando ao mesmo tempo o despotismo na esfera administrativa acabaram por ser conduzidos a muitas estranhas singularidades. Quando se trata de resolver pequenos assuntos, para o que talvez bastasse um pouco de bom senso, consideram que os cidadãos são incapazes de o fazer; porém, quando se trata do governo de todo o Estado, já lhes confiam imensas prerrogativas; fazem dos cidadãos, ora os joguetes do soberano, ora os seus senhores, mais do que reis e menos do que homens. Depois de esgotarem todos os diferentes sistemas eleitorais sem terem encontrado um que lhes convenha, espantam-se e continuam a sua busca, como se o mal que observaram não decorresse muito mais da estrutura do seu poder do que da do corpo eleitoral.

Com efeito, é difícil imaginar como é que homens que renunciaram completamente ao hábito de se governarem a si próprios podem ser capazes de escolher devidamente aqueles que devem governá-los e não é possível acreditar que um governo liberal, energético e hábil consiga sair dos sufrágios de um povo de servos.

Uma Constituição republicana no seu espírito e ultra-monárquica em todas as suas outras componentes sempre me pareceu um monstro efémero. Os vícios dos governantes e a imbecilidade dos governados não tardariam a arruiná-la e o povo, cansado dos seus representantes e de si próprio, criaria instituições mais livres, ou voltaria rapidamente a lançar-se aos pés de um único senhor."



Tocqueville insere aqui uma nota de rodapé valiosa:

"Não se pode afirmar de maneira peremptória e geral que o maior perigo da nossa época resida no abuso ou na tirania, na anarquia ou no despotismo. Qualquer deles é igualmente de temer, e podem resultar todos da mesma causa, que é a apatia geral, fruto do individualismo; é essa apatia que permite que, no dia em que consiga reunir alguma força, o poder executivo fique logo em condições de oprimir e que um partido que decida mobilizar trinta homens para um combate no dia seguinte também fique em situação de poder oprimir. Como nenhum deles pode fundar algo de duradoiro, o que os leva a triunfar muito facilmente impede-os de triunfar durante muito tempo. Erguem-se porque nada lhes resiste e caem porque nada os sustenta. Portanto, mais do que o despotismo ou a anarquia, o que importa combater é a apatia, que pode criar, quase indiferentemente, qualquer dos dois primeiros."


Alexis de Tocqueville, "Da Democracia na América" (1840)

quarta-feira, 18 de março de 2009

The Mob Mind


“One commonly hears it said today, by those who have made the catchwords of democracy their crowd cult, that the issue in modern society is between democracy and capitalism. In a sense this may be true, but only in a superficial sense; the real issue is between the personal self as a social entity and the crowd. Capitalism is, to my mind, the logical first fruit of so-called democracy. Capitalism is simply the social supremacy of the trader-man crowd. For a hundred years and more commercial ability – that of organizing industry and selling goods – has been rewarded out of all proportion to any other kind of ability, because, in the first place, it leads to the kind of success which the ordinary man most readily recognizes and envies – large houses, fine clothes, automobiles, exclusive clubs, etc.


Moreover, commercial ability is the sort which the average man most commonly thinks he possesses in some degree. While, therefore, he grumbles at the unjust inequalities in wealth which exist in modern society, and denounces the successful businessman as an exploiter and fears his power, the average man will nevertheless endure all this, much in the same spirit that a student being initiated into a fraternity will take the drubbing, knowing well that his own turn at the fun will come later. It is not until the members of the under crowd begin to suspect that their dreams of “aping the rich” may never come true that they begin to entertain revolutionary ideas. In other words, forced to abandon the hope of joining the present dominating crowd, they begin to dream of supplanting and so dispossessing this crowd by their own crowd.”



Everett Dean Martin, “Behavior of Crowds” (1920)

quarta-feira, 4 de março de 2009

Maximize your scale



"Embora eu não duvide que o isolamento contribui consideravelmente para a produção de novas espécies, no todo, parece-me que a grandeza de área é de maior importância, em particular para a produção de espécies com capacidade de subsistir por longos períodos e de disseminarem extensamente. Uma área extensa e não vedada oferece não somente maiores probabilidades para o aparecimento de variações favoráveis, em consequência do grande número de indivíduos da mesma espécie que são sustentados, mas também condições de vida infinitamente complexas devido ao grande número de espécies já existentes. Se algumas destas muitas espécies se modificam ou aperfeiçoam, outras terão de ser melhoradas num grau correspondente ou serão exterminadas.


Assim que tenha sido consideravelmente melhorada, cada nova forma será também capaz de se propagar nessa contínua área não vedada, entrando em competição com muitas outras formas. Novos lugares adicionais serão assim formados e a competição para os ocupar será mais renhida numa área grande do que numa área pequena e isolada. As grandes áreas, embora sejam actualmente contínuas, ainda em tempos recentes, devem muitas vezes, por oscilações de nível, ter existido num estado fraccionado pelo que os bons efeitos do isolamento, em certa medida, fizeram-se também sentir.


Em resumo, posso concluir que, embora as pequenas áreas isoladas tenham provavelmente sido, em alguns aspectos, altamente favoráveis para a produção de novas espécies, o curso das modificações deve, no entanto, ter sido mais rápido nas grandes áreas. E, o que é ainda mais importante, as novas formas produzidas em áreas grandes, tendo já saído vitoriosas em relação a muitos concorrentes, são as que se vão disseminar mais extensamente e dar origem à maioria das novas variedades e espécies, desempenhando assim um papel importante na história variável do mundo orgânico."


Charles Darwin, "A origem das espécies" (1859)



sábado, 17 de janeiro de 2009

The Golden Path


“Like other tyrannies, the tyranny of the majority was at first, and is still vulgarly, held in dread, chiefly as operating through the acts of the public authorities. But reflecting persons perceived that when society is itself the tyrant – society collectively, over the separate individuals who compose it – its means of tyrannizing are not restricted to the acts which it may do by the hands of its political functionaries. Society can and does execute its own mandates: and if it issues wrong mandates instead of right, or any mandates at all in things with which it ought not to meddle, it practises a social tyranny more formidable than any kinds of political oppression, since, though not usually upheld by such extreme penalties, it leaves fewer means of escape, penetrating much more deeply into the details of life, and enslaving the soul itself.

Protection, therefore, against the tyranny of the magistrate is not enough; there needs protection also against the tyranny of the prevailing opinion and feeling; against the tendency of society to impose, by other means than civil penalties, its own ideas and practices as rules of conduct on those who dissent from them; to fetter the development, and if possible, prevent the formation, of any individuality not in harmony with its ways, and compel all characters to fashion themselves upon the model of its own. There is a limit to the legitimate interference of collective opinion with individual independence; and to find that limit, and maintain it against encroachment is as indispensable to a good condition of human affairs, as protection against political despotism.”



John Stuart Mill, “On Liberty” (1859)

domingo, 28 de dezembro de 2008

Animal Collective - Merriweather Post Pavilion (2009)



Uma das grandes vantagens de se estar (ou pelas menos tentar estar) na vanguarda musical é acompanhar o nascimento de algo que nos mude a percepção do mundo e que se torne tão nosso, que por um lado queremos mostrar porque temos orgulho e por outro queremos guardar porque a hipótese da partilha horroriza-nos. Mais ou menos como a pessoa amada.
O hype é muitas vezes um mérito hiperbolizado e algumas vezes a vulgarização do segredo original, muito por culpa da banda que se rende a sonoridades mais mainstream.
O espírito underground rege-se por dois princípios: a busca incessante por algo diferente e a sua divulgação por circuitos de difícil acesso. Essa dificuldade de informação, dir-se-á, é o creme de la creme porque simboliza o esforço do indivíduo em melhorar, em lutar por aquilo que quer, porque não se acomoda, porque quer ser diferente, porque em última análise não se conforma com o mundo que tem.
Independentemente das prendas que tive no Natal, nada se compara á leak que saiu no mesmo dia: Animal Collective – Merriweather Post Pavilion, álbum com lançamento para meados de Janeiro de 2009, três semanas depois portanto.
Já tinha ouvido alguns álbuns anteriores ( Feels (2005) e Strawbwerry Jam ((2007)) e a percepção musical era a de uma sonoridade essencialmente caótica e aparentemente desordenada, mas com uma linha de rumo que ao mesmo tempo trazia organização ou alguma coerência. Tirando algumas músicas não podia dizer que era fã do grupo.
Mas isso mudou.
Este álbum é um passo em frente no estilo. Já existe uma harmonia explícita no caos e a faixa de abertura “In the Flowers” é uma barbaridade de beleza.
Nada, repito, nada pode ser tomado como referência a esta música. No final de a ter ouvido e antes de a voltar a ouvir só me lembrava de uma frase de “Beleza Americana”: “Ás vezes há tanta beleza no mundo que só me apetece chorar”.
Ao segundo dia depois de ouvir o álbum em contínuo, “In the Flowers” é viciante e os comentários no Last.fm começam a chover: “Hoooooooly fuuuuuuuuuck!!!!”, “at 2:31 it´s like God is pissing rainbows and cinnabons into my ears”, “if I could just leave my body for a night BOOOOOOOOM”, “how could they have made this song better!?!?!? 2:31 WTF! Tears came to my eyes… for real”.
É algo de novo, talvez Fischerspooner com (ainda) melhores melhores letras mas com uma sonoridade psicadélica.
O resto do álbum é globalmente bom, com outras boas músicas ( “Summertime Clothes”, “Bluish” e Lion in a Coma” com uma batida aborígene), mas nenhuma se aproxima a “In the Flowers”.
Pode ser um dos álbuns de 2009 e de futuro será o álbum de “In the Flowers”.
O Natal este ano não foi material. Mudou-me.